APRESENTAÇÃO
Por Dr. Stephan Malta Oliveira – médico-psiquiatra
CRM: 5269692-7 RQE: 21162
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Este espaço se destina aos profissionais da saúde, saúde mental e às pessoas interessadas aos temas afins.
O objetivo do mesmo é propor uma ampla discussão sobre os rumos da psiquiatria contemporânea com o intuito de contribuir para o avanço da mesma.
Psiquiatria Multinível se fundamenta por uma perspectiva multinível, compreendendo diferentes níveis de descrição e explicação, sendo o micronível o nível biológico, neuroquímico, genético, molecular, etc, e o macronível, o nível social, subjetivo, psíquico, mental, simbólico, cultural, histórico, etc… O campo emergente da Filosofia da Psiquiatria é que fundamenta a ideia de uma abordagem multinível. Este campo vem ganhando cada vez mais espaço neste início de século, por meio de publicações em importantes centros universitários, como na Oxford University, a partir de uma série de livros intitulada International Perspectives in Philosophy and Psychiatry, e na Johns Hopkins University, a partir do periódico Philosophy, Psychiatry and Psychology, propondo um resgate na psiquiatria pelo estudo reflexivo e crítico de seus conceitos e categorias fundamentais.
A literatura utilizada no campo da filosofia da psiquiatria aplica a abordagem multinível ao plano da explicação, à causação em psiquiatria. A perspectiva multinível, entretanto, embora inspirada neste Modelo Multinível, se aplica não apenas ao plano da explicação, mas também ao plano da compreensão e descrição dos transtornos mentais, bem como da investigação metodológica e da intervenção em psiquiatria. Uma perspectiva com múltiplos níveis de descrição e intervenção possui afinidades com o Pragmatismo e uma perspectiva com múltiplos níveis de explicação remete à Teoria dos Sistemas Complexos, da física contemporânea, à explicação causal de sistemas complexos, os quais são constituídos por múltiplas unidades e subsistemas densamente conectados e organizados, que interagem entre si e situam-se em um nível mais baixo, dando origem a propriedades emergentes globais, situadas em um nível mais alto.
Tal abordagem se justifica pelo fato de o objeto da psiquiatria – o transtorno mental ou, como aponta Franco Rotelli, a existência-sofrimento do sujeito na sua relação com o corpo social, ou nos mostra o sociólogo norte-americano Horwitz, “disfunções internas que são socialmente inapropriadas”, ou uma definição que considero ainda mais adequada, “diferença biológica socialmente inapropriada” – se caracterizar pela complexidade, envolvendo múltiplos níveis e múltiplas dimensões, como o nível biológico, social, psicológico, existencial, espiritual, cultural, etc. Psiquiatria Multinível se caracteriza por uma abordagem pluralista e não-reducionista. Pluralista no âmbito da pesquisa – pluralismo metodológico – no âmbito da clínica – pluralismo de intervenções – e no âmbito das descrições – pluralismo epistêmico, ou seja, um pluralismo de visões sobre o mundo. Tal pluralismo se expressa na multiplicidade dos níveis, aspectos e dimensões do real. Não-reducionista no sentido de que há uma impossibilidade de se reduzir uma abordagem situada em um nível mais alto a uma abordagem situada em um nível mais baixo, ou os discursos intencionais aos discursos fisicalistas, ou ainda, que uma abordagem, um nível ou uma metodologia tenha, a priori, primazia sobre outro/a, tal qual ocorre no reducionismo biológico, hegemônico na psiquiatria contemporânea.
Esta proposta se apresenta como um contraponto à tendência da psiquiatria contemporânea, pautada pela hegemonia do paradigma biomédico, segundo o qual, o discurso fisicalista e as abordagens situadas no micronível – biológicas, genéticas, moleculares – têm uma primazia sobre as abordagens que se situam no macronível – como a psicanálise, a fenomenologia, a filosofia, a sociologia, as intervenções psicossociais, etc. Privilegia-se, portanto, a dimensão biológica do humano em detrimento às dimensões social e psicológica, fragmentando-o e gerando impasses com relação à noção de integralidade.
Uma abordagem multinível e plural em psiquiatria tem uma relação direta com o referencial do Pragmatismo, de William James e John Dewey, segundo o qual as teorias são compreendidas como “ferramentas” que devem ser utilizadas para solucionar problemas e transformar nossas vidas e práticas para melhor; no Pragmatismo, a validade de uma teoria é dada pela sua eficácia prática bem como pela proximidade de suas descrições com a experiência ordinária. Há uma valorização em William James do conhecimento obtido a partir da experiência do senso comum (empiricismo radical). Na noção de relatividade conceitual de Putnam, duas descrições antagônicas poderáo ser ambas verdadeiras, sendo mais ou menos eficazes segundo um contexto e propósito específicos. O pragmatismo resulta em um pluralismo – epistêmico, metodológico e clínico – possibilitando a articulação entre abordagens distintas, seja do ponto de vista ontológico, seja do ponto de vista epistêmico ou metodológico. Uma perspectiva multinível e plural, que apreende a realidade em sua verticalidade e horizontalidade, é imperiosa à práxis psiquiátrica, uma vez que atende ao seu projeto teórico e prático, ou seja, à complexidade do seu objeto de estudo e de sua clínica, atendendo o humano em sua totalidade, de forma integral.
Segundo a noção de relatividade conceitual, se o contexto, por exemplo, for o estudo da dimensão biológica do ser humano, a metodologia das ciências naturais será mais apropriada, ou seja, uma metodologia experimental e baseada em evidências; por outro lado, para o estudo das dimensões social e psíquica do humano, uma metodologia qualitativa, das ciências humanas e sociais – como a hermenêutica – fundamentada na compreensão e interpretação dos significados das expressões humanas – a metodologia etnográfica, genealógica, etc – se mostra mais eficaz. De tal modo, a Psiquiatria Multinível, enquanto uma psiquiatria plural e não-reducionista, defende a co-existência de uma psiquiatria orientada pela neurobiologia, baseada em evidências, com uma psiquiatria filosoficamente e antropologicamente orientada, baseada em valores e na narrativa. Como afirma o psiquiatria britânico Bill Fulford, deve haver uma complementaridade entre a Medicina Baseada em Evidências e a chamada Medicina Baseada em Valores.
Os referenciais teóricos utilizados pela Psiquiatria Multinível abrangem, portanto, tanto aqueles que enfocam o micronível, como a Psicofarmacologia, as Neurociências, a Biologia Molecular, etc – que se ocupam da descrição/explicação dos processos envolvidos no micronível e pertencem à Biomedicina – quanto aqueles que enfocam o macronível, como é o caso da Psicologia do Desenvolvimento, da Fenomenologia, da Psicanálise e abordagens Psicodinâmicas, da Sociologia Médica, da Filosofia, Antropologia Médica, Musicoterapia, etc – que se ocupam da descrição/compreensão/explicação dos processos relacionados ao macronível, pertencendo ao campo das chamadas Humanidades Médicas. Todos estes referenciais serão abordados neste espaço com o objetivo de oferecer ao leitor um conhecimento técnico e crítico acerca dos mesmos.
Além disto, um dos principais objetivos do site é buscar que a lógica de uma perspectiva multinível e plural possa ser aplicada também à rede pública de assistência de nosso país, orientando ações com relação à elaboração de políticas públicas de saúde mental, que possibilitem a construção de serviços qualificados no campo, fundamentados por práticas plurais de assistência e igualmente legitimadas, compreendendo o humano em sua integralidade. Desta forma, a psiquiatria, enquanto campo de intervenção, pode cumprir mais efetivamente seu mandado ético-político: aumentar o potencial normativo, a qualidade de vida e o bem-estar dos indivíduos.
Agradecemos desde já a participação e contribuição dos leitores e atores do nosso site.